Vozes da Ferrovia com Wilker Camargo

O Futuro Está nos Trilhos: Mairinque Luta por Seu Lugar no Trem Intercidades

Wilker cresceu cercado por histórias ferroviárias – seu avô começou na produção de dormentes, outro foi funcionário da Sorocabana desde os anos 1900. Hoje, ele é uma das principais vozes pela inclusão de Mairinque no Trem Intercidades. Nesta entrevista à Ferrofrente, Wilker explica por que Mairinque é um ponto logístico essencial para o país, denuncia o apagamento da história ferroviária do interior paulista e defende a mobilidade como direito. “Se antes Mairinque tinha demanda, o que mudou? Qual estudo diz o contrário?”, questiona.

1. Wilker, para começarmos: como e quando as ferrovias entraram na sua vida? De onde vem essa ligação com os trilhos?

Minha ligação com a ferrovia vem da origem da minha família. Meus avôs, Adélio e Josias, trabalharam a vida toda na Estrada de Ferro Sorocabana, desde o início do século passado, na cidade de Mairinque-SP, onde formaram suas famílias em uma vila ferroviária. Meu avô Adélio nasceu em Mairinque, em 1901, e começou cedo como funcionário da ferrovia. Meu avô Josias iniciou jovem na produção de dormentes e lenha para as locomotivas.

Foi com o suor deles — e de milhares de ferroviários — que a ferrovia se consolidou no Estado de São Paulo. Eles foram os verdadeiros desbravadores do estado. Posteriormente, atuei como consultor para a América Latina Logística (ALL), por volta de 2000, e estive no setor ferroviário por 12 anos. Em 2014, iniciei o projeto Cidade dos Alimentos – Plataforma Intermodal em Mairinque, junto com investidores.

2. Qual é a importância histórica de Mairinque no desenvolvimento da ferrovia no Estado de São Paulo?

A ferrovia foi responsável pela expansão das cidades do interior e impulsionou a economia de São Paulo e do Brasil. Foi graças à ferrovia que o estado se destacou no cenário nacional e internacional. O auge ocorreu no período cafeeiro, do início do século XIX ao início do século XX.

A estação de Mairinque é um ponto estratégico: entroncamento entre a Malha Oeste, a Malha Paulista, a Região Metropolitana de São Paulo e o Porto de Santos. Boa parte da produção agrícola e mineral do país passou por ali ao longo do último século.

Agora é hora de concretizar o Terminal Intermodal de Cargas em Mairinque. Os estudos do Banco de Desenvolvimento da América Latina demonstram a viabilidade da relicitação da Malha Oeste (antiga Estrada de Ferro Sorocabana), prevendo um terminal abrangendo tanto a Região Metropolitana de São Paulo quanto o Centro-Oeste, com destaque para a cidade de Campo Grande e o transporte de carga geral em contêineres. Mairinque tem essa conexão direta.

3. A estação ferroviária de Mairinque é tombada como patrimônio histórico. Como você enxerga o papel desse patrimônio no contexto do Trem Intercidades?

A estação ferroviária de Mairinque é tombada como patrimônio histórico e cultural do Estado de São Paulo e do Brasil. A cidade nasceu a partir da ferrovia, e a estação de Mairinque, assim como a de Sorocaba, sempre foram referências regionais. Outras estações, como São Roque, Amador Bueno, Mailasky e Brigadeiro Tobias, eram apenas paradas.

O Trem Intercidades, que promete ligar São Paulo a Sorocaba em 60 minutos, prevê estações ao longo do trajeto. O governo afirmou que realizaria análises socioeconômicas nos municípios, mas em Mairinque isso não foi feito.

A cidade possui um parque industrial mais diversificado do que São Roque, com empresas como DSM, Cargill e Superfrio, que demandam movimentação diária de profissionais e prestadores de serviços. Também há grande fluxo de pacientes em busca de atendimento em cidades maiores. Inicialmente, o projeto previa a estação de Mairinque, mas depois o governo alegou que não havia demanda — mas se havia antes, o que mudou? Qual estudo foi feito? A população se manifestou, realizamos abaixo-assinados e participamos das audiências públicas cobrando respostas.

Após as audiências, o governo afirmou que está revendo a situação das estações de Mairinque, Alumínio e Barueri.

4. O projeto atual do TIC Eixo Oeste não contempla Mairinque como estação de passageiros. Quais são os principais impactos dessa exclusão para a cidade e região?

A exclusão da estação impacta diretamente a mobilidade da população, limitando o acesso a Sorocaba e São Paulo — cidades fundamentais para trabalho, comércio, educação, saúde e serviços. Desde que a Viação Cometa retirou a linha Sorocaba-São Paulo via Raposo Tavares, não há transporte direto até a capital.

O desenvolvimento da cidade fica comprometido sem essa conexão ferroviária.

5. Mairinque conecta a Malha Oeste com a Malha Paulista, dois eixos estratégicos do país. Como esse ponto logístico poderia ser aproveitado no Trem Intercidades?

Mairinque abriga um dos principais entroncamentos ferroviários do Brasil. Com a relicitação da Malha Oeste, a cidade será sede de um importante hub logístico: uma plataforma intermodal que integrará trens e caminhões, com cargas vindas da região central do Brasil e redistribuídas na macro região metropolitana de São Paulo, e vice-versa — incluindo exportações via Porto de Santos e a rota bioceânica até países andinos.

O Trem Intercidades pode ser integrado a esse sistema, transportando cargas fracionadas junto aos passageiros, o que reduziria o trânsito em São Paulo.

6. De que forma uma estação de passageiros fortaleceria o ambiente econômico e logístico de empresas como Cargill, DSM e Superfrio?

Essas empresas possuem funcionários que residem em São Paulo, Sorocaba e arredores, que poderiam usar o trem no deslocamento diário e em viagens de negócios. São mais de 3 mil funcionários, além de terceirizados e visitantes. Também seria possível utilizar o serviço ferroviário para pequenas entregas e recebimentos de mercadorias.

7. Como o transporte ferroviário de passageiros beneficiaria diretamente a população de Mairinque?

Hoje estamos isolados do transporte público direto para São Paulo. É preciso ir até São Roque, o que demanda ao menos 30 minutos de trajeto. Muitos trabalhadores dependem de transporte particular ou fretado. Pacientes do SUS e seus familiares utilizam carros, vans e micro-ônibus da prefeitura para atendimento em São Paulo ou Sorocaba, que o município não consegue suprir.

O comércio local, prestadores de serviços, estudantes e profissionais seriam beneficiados com maior mobilidade. O acesso ao lazer, à cultura e à educação também melhoraria. A estação de Mairinque no Trem Intercidades é uma necessidade urgente.

8. Como você avalia o engajamento da sociedade civil e dos representantes locais nessa causa?

A sociedade civil está se manifestando fortemente. Nas audiências públicas, houve ampla participação, e o abaixo-assinado teve grande adesão. Alguns vereadores se posicionaram, mas poucos cobraram o governo de forma efetiva. O prefeito e representantes do executivo não se manifestaram, e o tema não parece interessar à política local. Alguns deputados só se pronunciaram após a pressão social.

É triste ver que muitos políticos só se envolvem quando há visibilidade na mídia. Mas fico feliz de ver o povo se mobilizando — é assim que se gera mudança.

9. Você acredita que há um apagamento da história ferroviária de cidades do interior nos grandes projetos atuais? Mairinque seria um exemplo disso?

Sim. Inclusive, os governadores de São Paulo e Mato Grosso do Sul tentaram excluir o trecho paulista da Malha Oeste da nova licitação e favorecer a renovação do contrato da Rumo, empresa que sucateou esse trecho. Por sorte, o Tribunal de Contas da União impediu esse retrocesso.

Essas atitudes ignoram a importância da antiga Estrada de Ferro Sorocabana e das cidades que cresceram ao seu redor. Com o Trem Intercidades, o governador negligenciou a história e o potencial de Mairinque, Alumínio e Barueri ao retirar suas estações — cidades com relevância econômica, histórica e cultural.

10. Para finalizar: que recado você deixaria ao Governo do Estado e aos responsáveis pelo projeto do Trem Intercidades sobre a inclusão de Mairinque?

O poder público precisa conhecer e respeitar a história das cidades. Mairinque nasceu da ferrovia, e o futuro da cidade está nos trilhos. Retirar a estação é uma afronta à memória de milhares de ferroviários que construíram essa infraestrutura com seu suor.

Estamos no principal entroncamento ferroviário do país, entre as rodovias Raposo Tavares e Castelo Branco, próximos ao Rodoanel e entre as regiões metropolitanas de São Paulo e Sorocaba. Temos demanda de passageiros e cargas. Temos história.

O governador e sua equipe precisam conhecer melhor as cidades do interior, começando por Mairinque. A cidade tem muito mais fundamento para ter uma estação do que outras que foram contempladas. Espero que o projeto seja revisto e que a Estação Mairinque esteja presente no Trem Intercidades – Eixo Oeste.

A entrevista com Wilker Rocha é um mergulho na história viva da ferrovia brasileira e um alerta contundente sobre o risco de apagamento da memória e do potencial logístico de cidades como Mairinque. Com raízes profundas nos trilhos e uma visão estratégica para o futuro, Wilker articula com clareza a urgência da inclusão da estação de Mairinque no Trem Intercidades. Sua fala reforça que não há desenvolvimento sustentável sem respeito à história e à escuta das comunidades.

Até a próxima!

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