Começando pelos dados estatísticos, observa-se uma transparência extremamente limitada em informações que deveriam ser públicas e traduzidas em indicadores simples e acessíveis. Um exemplo claro são os indicadores de perdas de mercadorias por trecho ferroviário em relação ao total transportado, ou ainda os tempos de trânsito (transit time) entre origens e destinos.
Mais grave é o fato de que os dados anuais disponibilizados na Declaração de Rede — que indicam a capacidade instalada, a capacidade vinculada (utilizada) e a diferença entre elas, chamada de capacidade ociosa — não contam com acompanhamento mensal que permita verificar a veracidade das informações declaradas pelas concessionárias.
Atualmente, a ANTT, órgão responsável pela regulação e fiscalização do setor ferroviário, não possui meios próprios de acesso primário a essas informações operacionais, dependendo exclusivamente dos dados fornecidos pelas próprias concessionárias.
Em outras palavras, apenas a concessionária informa o quanto utiliza da capacidade instalada, enquanto os usuários do serviço não têm acesso nem mesmo a dados básicos para planejar suas operações. Vale ressaltar que esse é um indicador-chave para acionar o gatilho de novos investimentos na expansão da malha.
Tudo isso poderia ser solucionado se o Centro Nacional de Supervisão Operacional (CNSO) estivesse em pleno funcionamento — ou seja, com os Centros de Controle Operacional (CCO) das concessionárias integrados ao sistema da ANTT, como já ocorre em concessões rodoviárias. É fundamental destacar que não se trata de um controle direto pelo órgão federal, mas de um espelhamento dos dados reais, permitindo ao regulador monitorar de forma eficaz o desempenho operacional de cada malha.
Abandono de malhas
Em relação à capacidade ferroviária, os dados da Declaração de Rede, disponíveis desde 2013, revelam um quadro preocupante. Algumas simulações indicam que a viabilidade econômica dos investimentos em expansão é frequentemente colocada em dúvida, especialmente diante do elevado custo de capital no Brasil. Mas qual é o verdadeiro custo para a sociedade em termos de perda de competitividade, PIB e geração de empregos? Sem mencionar as despesas crescentes com a importação de diesel e o impacto nas emissões de gases de efeito estufa.
Mesmo em malhas de alta produção, há trechos que poderiam permitir uma oferta maior de transporte, mas permanecem subutilizados. A pergunta é inevitável: por que isso ainda não foi feito? A análise dos dados levanta outras questões igualmente relevantes, que não podem continuar sem resposta.
Em suma, é urgente ampliar a produtividade das ferrovias. O Brasil não pode ficar à espera apenas da construção de novas linhas férreas para expandir sua capacidade de transporte. Além de ser um processo demorado e de alto custo, há um imenso potencial já existente nas malhas em operação.
É fundamental lembrar que, embora a operação seja concedida, a via é pública e deve ser cuidada para gerar benefícios para toda a sociedade. Se a concessionária não demonstra interesse em aumentar a oferta, cabe à regulação criar condições para a entrada de novos operadores, por meio do direito de passagem, exercido pelos Agentes Transportadores Ferroviários (ATF), antigo Operador Ferroviário Independente (OFI).
Encerro com a mesma provocação feita em diversos debates: como garantir maior oferta de transporte ferroviário de cargas, respeito aos direitos dos usuários, prestação de um serviço adequado e transparência nas informações? O Brasil precisa de ferrovias para crescer — e elas, por sua vez, precisam aumentar sua produtividade para que possamos alcançar as metas dos Planos Nacionais de Logística.
O cenário é preocupante e exige explicações e soluções urgentes. Só não se pode alegar que falta demanda: ela existe e, na ausência de oferta ferroviária adequada, migra para modais menos eficientes para escoar sua produção. Enquanto isso, continuaremos assistindo, com perplexidade, à transferência de cargas para caminhões em trechos absurdamente longos, comprometendo a competitividade, a sustentabilidade e a eficiência da economia brasileira.