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O interesse privado não pode se sobrepor ao interesse público

José Manoel Ferreira Gonçalves*

A chamada Malha Paulista, importante sistema de linhas de transporte por trilhos de São Paulo, com quase 2.000 quilômetros de extensão, teve a renovação de sua concessão a uma empresa privada antecipada em 2020, sem qualquer justificativa técnica do poder concedente para tal regalia.

Na época, alertamos para os riscos que uma medida como essa poderia trazer para o interesse público, abrindo um precedente na já desvirtuada regulação do setor ferroviário no país.

Em 2020, os motivos para barrar a solicitação de ampliação do prazo de concessão da Malha Paulista eram muitos. Não havia, por exemplo, um plano de manutenção para a concessão, fato que foi apontado por nós, bem como a operação carecia de documentos sobre passivo ambiental e operacional.

Mesmo assim, a despeito dessas irregularidades, novo contrato foi assinado com a empresa Rumo. Foi a primeira renovação antecipada de concessão de ferrovias no país. E os sinais de que a benesse do Governo Federal com a concessionária era um erro não demoraram a surgir.

No ano passado, a ANTT, Agência Nacional de Transportes Terrestres, já havia detectado que obras obrigatórias estavam atrasadas. O fato foi apontado por nós em uma representação junto ao Tribunal de Contas da União e, posteriormente, confirmado pela agência.

Ao assumir a responsabilidade por um sistema ferroviário, a empresa concessionária possui obrigações mínimas a serem cumpridas. Um plano de manutenção é algo básico. Infelizmente, não causa surpresa que esse cuidado primordial não tenha sido observado pela Rumo Malha Paulista.

A companhia, que recebeu de bandeja a ampliação do contrato há pouco mais de dois anos, anunciou agora em janeiro, pasmem, uma parada de sete dias em um trecho central da ferrovia, que ficará totalmente interditado durante esse período.  A justificativa foram as fortes chuvas na região.

Ora, garantir a segurança – bem como a continuidade do serviço – é obrigação de quem detém a concessão. E manutenção é medida preventiva, que ocorre de maneira constante, exatamente para não provocar interrupções e paralisações de um serviço público.

A verdade é que, da forma como está atualmente organizado, o sistema ferroviário brasileiro permanecerá sujeito à vontade privada que se sobrepõe ao interesse público.

Entendemos que todas as ferrovias do país devem contemplar em suas concessões não apenas o transporte de cargas, mas também o de passageiros. Somente dessa forma o trem poderá voltar a cumprir o papel de vetor de integração nacional e desenvolvimento econômico que se espera de nossos comboios.

Hoje, o cenário é desalentador: não há concorrência e os investimentos são focados para atender a demandas dos dois grandes grupos que dominam as concessões.

Para que planejamento? Para que manutenção?

Nossas ferrovias tornaram-se, desoladamente, simples corredores para o escoamento de grãos e minério de ferro.  

*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da FerroFrente, Frente Nacional pela Volta das Ferrovias.

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