Quando o lucro atropela a segurança
A morte de Cláudio Rogério da Silva, esmagado entre as portas de um trem na Linha 5-Lilás do Metrô de São Paulo, escancara a perigosa equação que, há tempos, vem sendo tolerada na mobilidade urbana da capital: eficiência operacional com foco em lucro, em detrimento da segurança e da vida humana. O episódio não foi isolado. No mês anterior, um incidente semelhante ocorreu na Linha 2-Verde, mas, por sorte, o trem não partiu. Ainda assim, a negligência beira a repetição criminosa.
As portas automáticas, que deveriam impedir o fechamento caso haja algo obstruindo a passagem, falharam. O trem partiu, prensando o corpo de Cláudio Rogério contra a plataforma. Esse tipo de acidente é raríssimo fora do Brasil. Não por má sorte, mas porque, em outros países, os investimentos em segurança precedem a tragédia — e não são motivados por ela.
Tecnologia Avançada Inovação ignorada até a morte
Somente após a tragédia, o Metrô de São Paulo anunciou a instalação de sensores de presença entre os vãos das portas dos trens e das plataformas, com previsão para fevereiro de 2026. Tarde demais para Cláudio. E, pior: limitada às linhas onde já houve acidentes. Um plano fragmentado e reativo, quando o ideal seria uma reformulação sistêmica, urgente e abrangente.
A ViaMobilidade, responsável pelas linhas 8 e 9, também começará a instalar sensores e a testar sistemas de segurança como o “copiloto inteligente”. Mas essas medidas, embora importantes, são paliativas diante de um problema estrutural: a terceirização da responsabilidade pelo passageiro. Ao invés de assumir falhas operacionais, gestores transferem a culpa para as vítimas, classificando-as como “distraídas” ou “imprudentes”.
Tecnologia Avançada Inovação não pode esperar mais
O fato de a tragédia ter sido necessária para que os sensores sejam considerados uma prioridade expõe a lógica do sistema: não se investe em segurança até que o prejuízo público supere o custo da prevenção. O Metrô já utiliza barreiras metálicas, sensores de obstrução e portas automáticas — mas tudo isso falhou. Isso indica não apenas deficiência técnica, mas negligência no monitoramento e na manutenção desses dispositivos.
É escandaloso que uma cidade como São Paulo, com milhões de usuários diários, ainda trate a integridade física do passageiro como variável secundária. Nos países que inspiram nosso modelo de metrô, como Japão e Coreia do Sul, há protocolos rigorosos e tecnologia embarcada suficiente para tornar esse tipo de fatalidade quase impossível. O Brasil, porém, prefere correr atrás do prejuízo — e de forma lenta.
A omissão que também mata
Falta ao governo a coragem de instaurar uma investigação séria e independente sobre os protocolos de segurança do Metrô. Falta também reconhecer que a responsabilidade não é apenas da operadora ou da concessionária, mas do próprio Estado, que deveria fiscalizar com rigor e impor exigências mínimas de segurança antes de permitir que uma linha seja entregue à operação.
É inadmissível que vidas humanas continuem sendo colocadas em risco em nome da eficiência financeira. A instalação de sensores, ainda que louvável, soa como tentativa de apagar um incêndio com balde d’água. Segurança pública não é um favor — é uma obrigação constitucional.
*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD