Por Redação Ferrofrente
Publicado em 28 de julho de 2025
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) iniciou, nesta semana, a discussão da primeira norma do Regulamento das Condições Gerais de Transporte Ferroviário (CGTF), chamada de Norma 1A, que pretende consolidar as regras das concessões ferroviárias brasileiras — abrangendo os 16 contratos atualmente em vigor. A iniciativa é considerada um marco na tentativa de padronização regulatória do setor, historicamente fragmentado.
A proposta, no entanto, surge em meio a críticas sobre a baixa transparência e a presença de conflitos de interesse no setor ferroviário nacional, como revela o recente caso envolvendo ex-dirigentes da própria ANTT que participaram de decisões estratégicas e, logo depois, foram contratados por empresas diretamente beneficiadas por tais decisões.
A “Norma 1A” e os desafios da regulação
Segundo o gerente de Regulação Ferroviária da Superintendência de Transporte Ferroviário (Sufer), Fernando Feitosa, o objetivo da norma é organizar as outorgas ferroviárias e consolidar regramentos sobre segurança, interoperabilidade, equilíbrio econômico-financeiro, direitos dos usuários e encerramento contratual.
A Norma 1A faz parte de uma agenda mais ampla de transformação regulatória — o chamado “RCF” — inspirada no Regulamento das Concessões Rodoviárias (RCR), e é vista como uma evolução da Lei Geral de Ferrovias, de 2021.
Apesar da abrangência, especialistas apontam que pontos cruciais, como a interoperabilidade e a transparência das obrigações contratuais, ainda permanecem tratados de forma superficial.
José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da Ferrofrente – Frente Nacional pela Volta das Ferrovias, comentou:
“É positivo que a ANTT queira consolidar normas e reorganizar o setor. Mas não podemos fingir que isso é suficiente diante de problemas estruturais como a captura regulatória e a desigualdade entre os operadores. A padronização não pode ser só formal; ela precisa garantir justiça, transparência e acesso equilibrado à malha ferroviária.”
Ex-diretores da ANTT contratados por empresas reguladas
No mesmo momento em que se discute a modernização regulatória, veio à tona um episódio que, segundo a Ferrofrente, coloca em xeque a credibilidade da agência reguladora.
Dois ex-dirigentes da ANTT — Rafael Vitale Rodrigues, ex-diretor-geral da agência, e Ismael Trinks, ex-superintendente de Transporte Ferroviário — foram contratados pela Transnordestina Logística S.A. (TLSA), subsidiária da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), logo após participarem das negociações que resultaram na exclusão do trecho Salgueiro–Suape do traçado original da Ferrovia Transnordestina.
O aditivo que alterou substancialmente o projeto foi assinado em 23 de dezembro de 2022, e os dois ex-dirigentes assumiram cargos de direção institucional no grupo empresarial apenas semanas depois, dispensados da quarentena ética exigida para ex-agentes públicos.
O caso foi revelado pelo jornalista Tássio Lorran, do portal Metrópole, e confirmado por diversos veículos da imprensa. A dispensa da quarentena foi concedida pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
Para José Manoel, esse episódio é sintomático:
“Como confiar em uma regulação que permite que os mesmos agentes públicos que definem as regras passem, dias depois, a trabalhar para quem será diretamente beneficiado por elas? A sociedade precisa reagir. A ferrovia é um patrimônio público e deve servir ao interesse nacional, não à conveniência de grupos empresariais.”
Por uma regulação independente e cidadã
A Ferrofrente reafirma a necessidade de uma regulação ferroviária que seja verdadeiramente técnica, transparente e orientada ao interesse público. Isso inclui não apenas a criação de normas abrangentes como a 1A, mas também mecanismos de prevenção de conflitos de interesse, fiscalização rigorosa das concessões e participação ativa da sociedade civil organizada nas discussões sobre o futuro do transporte ferroviário no Brasil.
A Norma 1A está disponível para consulta pública e contribuições até o dia 10 de agosto, no portal da ANTT.
Fontes:
- Agência iNFRA – “ANTT avança em marco regulatório das ferrovias”
- Blog do jornalista Tássio Lorran (Metrópole) – “Grupo CSN contratou dirigentes da ANTT que participaram das negociações de exclusão do trecho em direção a Suape na Transnordestina”