A Concessão e o Pagamento Dobrado

*José Manoel Ferreira Gonçalves
Engenheiro, advogado e jornalista

Entre promessas e duras realidades

A discussão sobre a concessão do Metrô do Recife reacende uma velha e urgente reflexão: privatizar serviços públicos essenciais resulta, de fato, em melhoria para o cidadão? No caso da capital pernambucana, os números e exemplos internacionais mostram que a resposta não é tão simples — mas é na maioria dos casos negativa. O recente artigo publicado no Jornal do Commercio levanta um ponto crucial: o custo final da concessão tende a ser maior para a sociedade, gerando o chamado efeito “pagar em dobro”.

Embora o discurso oficial do Governo Federal insista em defender a concessão como ferramenta para modernizar o sistema metroferroviário, o modelo adotado prevê um investimento de R$ 3,8 bilhões dos cofres públicos apenas para “preparar” o metrô para ser entregue à iniciativa privada. Em seguida, a concessionária ainda terá direito a repasses públicos anuais — ou seja, o Estado paga duas vezes, sem garantir que o serviço melhore.

Concessão e pagamento dobrado: alertas de fora

Casos similares em cidades como Londres, Buenos Aires e Santiago mostram que a privatização do transporte de massa frequentemente resulta em aumentos tarifários, redução da qualidade e alta dependência de subsídios estatais. Em Londres, por exemplo, a tentativa de privatização parcial da rede de metrôs culminou em escândalos de superfaturamento e necessidade de resgate financeiro pelo Estado. Já em Buenos Aires, a concessão trouxe tarifas mais altas e manutenção deficitária, forçando o governo a intervir para evitar o colapso do sistema.

No Recife, o temor é ainda maior. O sistema, que hoje transporta cerca de 200 mil pessoas por dia a um custo simbólico, corre o risco de se tornar economicamente inviável para a população de baixa renda. E isso num estado onde mais de 60% dos trabalhadores vivem com até dois salários mínimos.

O real custo da entrega pública

A lógica da concessão e pagamento dobrado evidencia uma armadilha orçamentária: o Estado banca a reestruturação, transfere a operação e ainda continua arcando com parte dos custos por décadas. O setor privado, por sua vez, lucra com tarifas e repasses sem correr os riscos de empreender de fato.

Ademais, o processo em curso apresenta lacunas preocupantes. A ausência de audiências públicas, a resistência dos trabalhadores metroferroviários e a falta de transparência nos critérios de escolha do operador privado levantam dúvidas legítimas sobre a real motivação da concessão. Não se trata de demonizar a iniciativa privada, mas de questionar a lógica de um contrato onde o ônus recai sobre quem mais precisa do transporte público: o usuário.

Concessão e pagamento dobrado: quem ganha e quem perde

É fundamental perguntar: quem se beneficia com essa concessão? Os dados mostram que o modelo atual tende a favorecer empresas privadas com garantias públicas, enquanto usuários e trabalhadores enfrentam incertezas. O caso do Recife, portanto, não é isolado, mas parte de um padrão já testado — e falho — em outras metrópoles.

A concessão do metrô, feita de forma apressada e sem controle social efetivo, pode agravar a exclusão urbana, comprometer o direito à mobilidade e tornar a cidade ainda mais desigual. O debate público precisa ser ampliado antes que o contrato seja assinado e a fatura social enviada à população.

Cidadania não é mercadoria

A mobilidade urbana não pode ser tratada como negócio de ocasião. É um direito constitucional e uma política pública estratégica. As concessões, quando feitas, devem priorizar o interesse público, garantir acesso universal e transparência total. O modelo atual do Metrô do Recife, ao contrário, parece seguir a rota de outras cidades que hoje enfrentam as consequências de escolhas equivocadas. Ainda é tempo de frear esse trem.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador e presidente da FerroFrente e da Associação Água Viva. Em 2018, fundou e passou a coordenar o Movimento Engenheiros pela Democracia (EPD), criado a partir da convicção de que a engenharia, como base material do desenvolvimento nacional, deve estar a serviço da democracia, da ética e da justiça social.


Declaração de Fontes:

“As informações contidas neste artigo foram obtidas a partir do Jornal do Commercio, reportagens do The Guardian, Clarín, El Mercurio e dados do Banco Mundial sobre concessões urbanas.”


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