A FERROVIA BIOCEÂNICA

Projeto Confirmado na Visita de Lula à China

Por José Manoel Ferreira Gonçalves

O Anúncio Histórico em Pequim

Já no dia 26 de março de 2025, durante a segunda visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, foi anunciado, em cerimônia conjunta com o presidente chinês Xi Jinping, o avanço concreto da Ferrovia Bioceânica — um projeto estratégico que visa conectar o Oceano Atlântico ao Pacífico por meio de uma infraestrutura ferroviária integrada entre Brasil, Peru e outros países sul-americanos. A visita atual consolidou esse compromisso.

Este anúncio marca uma nova fase nas relações sino-brasileiras, reforçando o papel central da China como parceira comercial e investidora no setor de logística brasileiro. Com o objetivo de reduzir custos logísticos e acelerar o escoamento de commodities agrícolas e minerais, o projeto também se insere no contexto mais amplo da disputa global por influência geoeconômica na América Latina.

Contexto Estratégico e Histórico do Projeto

A ideia da Ferrovia Bioceânica não é nova. Discutida desde a década de 2010, ela busca resolver um problema crônico da economia brasileira: a baixa competitividade logística no comércio internacional. Atualmente, cerca de 70% das exportações brasileiras seguem por rotas marítimas que passam pelo Canal do Panamá, uma rota longa e cara.

A nova ferrovia pretende oferecer uma alternativa direta: ligar regiões produtoras do Centro-Oeste e Norte do Brasil ao porto de Chancay, no Peru, operado pela estatal chinesa COSCO Shipping Ports. Este terminal, inaugurado em 2024 após investimento inicial de US$ 1,3 bilhão, tem capacidade para processar 1 milhão de contêineres e 6 milhões de toneladas de carga solta por ano, podendo ser expandido futuramente.

Impactos Econômicos: Logística, Exportações e Desenvolvimento Regional

Redução de Custos Logísticos

Segundo estimativas do Ministério dos Transportes brasileiro, a Ferrovia Bioceânica pode reduzir em até 20% os custos de transporte de cargas, especialmente de soja, milho e minério de ferro, cujas exportações respondem por mais de 60% do total embarcado para a China.

Além disso, o tempo médio de transporte pode ser reduzido em até 10 dias, o que significa ganhos significativos em termos de agilidade e competitividade nos mercados asiáticos.

Desenvolvimento Regional

A ferrovia atravessará estados como Bahia, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre, regiões historicamente menos desenvolvidas economicamente. Sua construção promete gerar milhares de empregos diretos e indiretos e atrair investimentos em setores como logística, armazenagem e agroindústria.

Especialistas do BNDES avaliam que a implantação do corredor bioceânico pode contribuir para o aumento do PIB regional em até 5% nos próximos dez anos, caso o projeto seja implementado de forma eficiente e sustentável.

Desafios Financeiros e Dependência Externa

Financiamento Chinês: Parceria ou Vulnerabilidade?

Um dos pontos mais sensíveis do projeto é sua dependência do financiamento chinês. Empresas como China Railway Construction Corporation (CRCC) e COSCO estão diretamente envolvidas tanto na construção quanto na operação da infraestrutura.

Embora essa parceria seja essencial para viabilizar o projeto, especialistas alertam para o risco de sobrereliance (superdependência) em relação à China, algo já observado em casos como o Porto de Hambantota, no Sri Lanka, onde a incapacidade de pagamento resultou na cessão do ativo por 99 anos à COSCO.

Para evitar esse cenário, o governo brasileiro deve buscar diversificar fontes de financiamento, incluindo bancos multilaterais como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e instituições nacionais como o BNDES.

Orçamento e Execução

O orçamento estimado para trechos prioritários da ferrovia já ultrapassa R$ 28,7 bilhões, segundo dados do Ministério dos Transportes (2025). Considerando que apenas menos de 15% dos trechos planejados estão concluídos ou em fase avançada, há preocupação quanto ao cumprimento do cronograma previsto para conclusão até 2028–2030.

Implicações Geopolíticas: Brasil, China e Estados Unidos

Reconfiguração da Influência na América Latina

A consolidação da Ferrovia Bioceânica fortalece a posição da China como principal parceira comercial do Brasil — país que hoje exporta mais de um terço de suas exportações totais para o mercado chinês.

Esse alinhamento estratégico ocorre num momento em que os Estados Unidos intensificam sua diplomacia econômica na América Latina, buscando limitar a influência chinesa. Pressões sobre países como Panamá e Colômbia para rever contratos com empresas chinesas indicam que a disputa por hegemonia na região tende a se intensificar.

Posicionamento do Brasil: Autonomia ou Alinhamento?

O Brasil tenta equilibrar suas relações internacionais, evitando vinculações excessivas com qualquer potência. Em novembro de 2024, o governo Lula recusou formalmente aderir à Belt and Road Initiative (BRI) da China, embora tenha sinalizado interesse em sincronizar o Novo PAC com estratégias chinesas de investimento.

Apesar disso, o avanço da Ferrovia Bioceânica indica um fortalecimento das relações comerciais e logísticas com Pequim, o que pode gerar tensões com Washington, especialmente no campo tecnológico e de segurança nacional.

Sustentabilidade e Impactos Socioambientais

Proteção de Territórios Indígenas e Áreas Sensíveis

A construção da ferrovia atravessará áreas de alta biodiversidade e territórios indígenas, exigindo políticas públicas rigorosas para garantir o respeito aos direitos dessas comunidades. O governo federal terá de trabalhar em conjunto com órgãos como FUNAI e IBAMA para evitar conflitos socioambientais.

Inovação e Tecnologia Ferroviária

O projeto também traz oportunidades para incorporar tecnologias verdes, como trens elétricos, automação e uso de energia renovável. Além disso, pode servir como catalisador para o desenvolvimento de setores estratégicos, como baterias para veículos elétricos e produção de carros elétricos na Bahia, onde empresas como BYD já estão investindo pesadamente.

Recomendações

O anúncio da Ferrovia Bioceânica durante a visita de Lula a Xi Jinping em 2025 representa um marco histórico na cooperação sino-brasileira. Trata-se de um projeto com imenso potencial para transformar a logística brasileira, dinamizar o comércio exterior e promover desenvolvimento regional.

No entanto, seu sucesso dependerá de:

  1. Gestão transparente e eficiente do financiamento;
  2. Diversificação de fontes de investimento para mitigar dependência externa;
  3. Diálogo constante com comunidades locais e indígenas;
  4. Integração com práticas sustentáveis e inovação tecnológica;
  5. Equilíbrio diplomático nas relações com China e Estados Unidos.

Se bem implementado, o projeto pode posicionar o Brasil como uma ponte continental entre Atlântico e Pacífico, consolidando sua relevância no comércio global do século XXI.

*José Manoel é pós-doutor em Engenharia, jornalista, escritor e advogado, com uma destacada trajetória na defesa de áreas cruciais como transporte, sustentabilidade, habitação, educação, saúde, assistência social, meio ambiente e segurança pública. Ele é o fundador da FerroFrente, uma iniciativa que visa promover o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, e da Associação Água Viva, que fortalece a participação da sociedade civil nas decisões do município de Guarujá. Membro do Conselho Deliberativo da EngD

Referências:

Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (Brasil) – Relatórios técnicos sobre Ferrovias e Logística.

  • BNDES – Estudos sobre impacto econômico de grandes projetos de infraestrutura.
  • COSCO Shipping Ports – Informações oficiais sobre o Porto de Chancay.
  • World Bank / BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) – Análises sobre integração regional e custos logísticos.
  • Agência Brasil / Folha de S.Paulo / Valor Econômico – Cobertura jornalística detalhada da visita de Lula à China em 2025.
  • Embaixada da China no Brasil – Declarações oficiais sobre cooperação bilateral.
  • ONU Meio Ambiente / WWF – Avaliações ambientais de megaprojetos na Amazônia e Cerrado.

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